04 novembro 2008

BARALHAR PENSAMENTOS III

Está frio.
Gosto destes dias em que a luz pouco cambia. Este dia vai adormecer quase com o mesmo cinzento com que acordou. Era capaz de viver sempre com esta luminosidade. Julgo eu. Assim, quase escuro. No ponto. Nada de sombras mas a luz-cor suficiente. «O destino é severo. Sejamos nós indulgentes. O que é preto talvez não seja escuro».
Hoje está aquilo a que habitualmente se chama um dia feio. No entanto, será um dia especial daqui a muito tempo. Hoje a minha mãe comemora mais um aniversário. Daqui a muitos anos, lembrar-me-ei deste dia. O dia em que a minha mãe fazia anos e ainda era viva. Afinal de contas, estragou-me com mimos. Gostava de a recompensar e mostrar-lhe que sou uma verdadeira besta. Que nada me faria sofrer. Que estivesse descansada. Mas não consigo. Tenho laivos de generosidade, humor, compaixão com e sem paixão, ternura, saudades muitas e merdas dessas.
«A vida não passa de uma oportunidade de encontro; só depois da morte se dá a junção; os corpos apenas têm o abraço, as almas têm o enlace». Asneira. Parvoíce. Morte é tragédia e ponto final. Para os fortes também.
Como a mãezinha ainda é viva, não me habituei à sua ausência. Também ainda não me habituei a este frio. «Nas ligações do coração, como nas estações, os primeiros frios são os mais sensíveis».
Agora é só esperar. Preguiça. Está frio. Mãe, aquece.

Rui Moutinho 2008

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